Alguns números da pesquisa Retratos da Leitura, divulgada no fim do ano passado, mostraram um cenário de redução do valor simbólico do ato de ler, especialmente dentro do ambiente escolar: há quedas em indicadores importantes relacionados à leitura na sala de aula e em outros ambientes escolares. Segundo especialistas consultados pelo PublishNews, o problema tem um caráter multifacetado, envolve questões estruturais do sistema de ensino, relações familiares e transformações sociais e históricas, muitas delas influenciadas pela tecnologia.
Na visão da coordenadora da pesquisa, a socióloga Zoara Failla, as quedas percentuais daqueles que leem em salas de aula (de 23% para 19%); em bibliotecas (de 20 % para 14%) ou no transporte (de 11% para 7%), não se devem especificamente à perda da cultura de ler em lugares para ler, mas, na verdade, dizem respeito à queda no interesse dos leitores pela leitura de livros em geral.

Apesar da pesquisa apontar como uma das justificativas para a redução da leitura a falta de tempo, um consenso entre as especialistas consultadas aponta que aquele que lê por gosto, sempre encontra um lugar ou momento para se dedicar ao que gosta.
Dados do Censo Escolar de 2023, realizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que mais da metade das escolas públicas do país não apresentam bibliotecas.
Zoara Failla confirma que as estatísticas apontam para uma perda do valor simbólico do livro e da leitura. “O interesse pela internet e redes sociais, de mais de 90% dos entrevistados da Retratos entre 14 e 39 anos, e a representação de que é possível acessar qualquer informação em sites de busca e estar o tempo todo conectado para estar atualizado e em comunicação com seus grupos, certamente contribuem para a desvalorização do livro e para o acréscimo no percentual daqueles que dizem não ter paciência para ler livros”.
Ela argumenta que, se houve redução em salas de aula e bibliotecas, é porque faltam ações de promoção de leitura de fato mobilizadoras, por parte de gestores, professores, bibliotecários e agentes de leitura dentro desses espaços.
A atuação e importância dos professores
Os resultados da sexta edição da pesquisa mostram uma redução de onze pontos percentuais na indicação de livros pelos professores no Ensino Fundamental I. No levantamento feito em 2019, 18% dos estudantes informaram que o professor não indicava livros. Agora, o número sobe para 29%. Também houve queda percentual entre os alunos do Ensino Médio, de sete pontos.

“Sem dúvida, essa redução no uso da biblioteca escolar ou salas de leitura está em sintonia com a revelação de queda de cinco pontos percentuais no percentual de estudantes que informaram não ler em sala de aula (de 24% para 19%). Mas, essa queda também revela que os professores reduziram a promoção de práticas leitoras nesses espaços”, comenta Zoara.
A remuneração e a carga de trabalho desses profissionais é central dentro da crescente falta de indicações de leitura. “Sabemos que muitos [professores] necessitam de jornadas duplas e não têm tempo para ler. Porém, quando leem, segundo a maioria dos entrevistados pela pesquisa, preferem livros religiosos ou de autoajuda. Com esse repertório de leitura, fica difícil selecionar livros e promover práticas leitoras que despertem o interesse e o gosto pela leitura em seus alunos, em especial, frente ao enorme desafio da atração que as telas despertam”, diz Zoara Failla.
Teresa Cristina Aliperte é pedagoga, tem experiência na rede privada e também na rede estadual de ensino. Finalizou seu mestrado em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP em 2015 e atualmente é doutoranda na mesma instituição, também em Crítica Literária. Em seus estudos, ela pesquisa a influência dos vários agentes da formação de leitores, como por exemplo, a família, os professores e o próprio estudante. Ela diz que, há algum tempo, a família perdeu protagonismo no processo de formar pessoas leitoras para as escolas. Estas, por sua vez, não estão dando conta do trabalho.
Uma de suas experiências vem da observação de reuniões de pais: quando há um acolhimento e diálogo sobre o assunto, é possível ver o crescimento do interesse pela leitura. “No final do ano é possível ver os resultados, os pais descobrem novos mundos. É possível fazer isso na escola pública se há uma gestão que apoie a iniciativa e transforme a escola numa comunidade leitora. Mas é fundamental que o professor do ano seguinte dê continuidade ao projeto”, afirma.
Em nota para o PublishNews, a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo defende as salas de leitura enquanto um espaço dinâmico e que incentiva o protagonismo estudantil e afirma que os educadores do programa recebem formações contínuas, abordando planejamento pedagógico, metodologias ativas, práticas de fomento à leitura e letramento informacional.
Uso de materiais
Um dos principais pontos do debate diz respeito aos materiais disponibilizados: eles estão sendo usados de forma sistemática pelo corpo docente? Segundo Teresa Aliperte, isso leva a discussão para a carga de responsabilidade presente na figura do professor dentro desse processo, desde sua formação inicial até sua aprendizagem contínua. Ela reforça que, atualmente, o professor não tem o hábito do texto literário.
A especialista explica que é necessário enxergar o processo de aprendizagem como uma engrenagem, em vez de focalizar as atenções em apenas algumas etapas ou indivíduos. “Acabamos culpabilizando os professores por tudo, mas existem vários agentes envolvidos. Quando algum dos agentes não cumpre sua responsabilidade, a engrenagem fica desequilibrada”.
Assim como Zoara, ela menciona o costume da classe em necessitar realizar jornada dupla ou até tripla para pagar as contas. “Temos sérios problemas de estrutura, falando do lugar de professora estadual, o professor está carregado de muitas obrigações”. Ainda em dezembro, o presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 6ª Região (CRB-6), Álamo Chaves, afirmou ser “alarmante que a maior parte das bibliotecas do país, sobretudo públicas e escolares, não sejam coordenadas por bibliotecários”.
Esses fatores se tornam obstáculos e dificultam que o professor possa se repertoriar e inserir momentos culturais em sua rotina, realizar leituras, viagens, ver filmes e ir ao teatro, por exemplo.
Celulares proibidos nas escolas
Em janeiro de 2025, entrou em vigor a lei que proíbe o uso de celulares nas escolas. A medida é vista consensualmente entre as entrevistadas com ar otimista. Márcia Andreia Reis, coordenadora do Programa Sala de Leitura da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, afirma que a decisão promove um ambiente mais produtivo e focado na aprendizagem.
Dispositivos serão permitidos apenas quando inseridos dentro de prática pedagógica | © Freepik“Com essa medida, os estudantes têm demonstrado maior engajamento em todas as atividades pedagógicas, aprimorando a concentração, a participação e a qualidade do trabalho desenvolvido. Além disso, a iniciativa fortalece a interação social, estimula o pensamento crítico e contribui para a construção de hábitos mais saudáveis de estudo, preparando os alunos para desafios acadêmicos e profissionais com mais disciplina e atenção”, comenta.
A partir de sua vivência na escola estadual e com colegas, Teresa diz que a novidade é importante na diminuição do estresse dos professores na sala de aula. Segundo a pedagoga, o uso de celular é um dos elementos, em fases como Fundamental II e Ensino Médio, que causam atrito entre alunos e professores no estabelecimento e cumprimento de combinados na sala de aula.
“Será fundamental ocupar esse ‘vácuo’ causado pelo vício no uso dos celulares para entreter e para ‘encontrar’ respostas prontas”, afirma Zoara.