Por Juscelino Taketomi – O POVO AMAZONENSE
Lendo o artigo “A Verdadeira Bandeira”, do ex-ministro da Educação e ex-senador Cristovam Buarque, publicado no site da revista Veja, imaginei aquele dia de efusivas manifestações que deveria ter sido o famoso 19 de novembro de 1889.
O país, ainda eufórico com a Proclamação da República, erguia uma nova bandeira. Verde, amarela, azul e branca, com o lema “Ordem e Progresso”, ela deveria simbolizar o início de uma nova era.
Mas, não foi assim, havia uma pedra no meio do caminho, como diria Carlos Drummond de Andrade. Havia algo profundamente cruel naquela cena: 85% dos brasileiros não podiam ler as palavras gravadas no estandarte.
Para 12 milhões de pessoas, aquelas letras eram um código indecifrado. E desse modo, em meio à pompa republicana, começava a saga de um país partido entre letrados e iletrados.
Cristovam Buarque, em seu artigo na Veja, nos lembra dessa ferida aberta. Com sua prosa precisa e seu olhar sempre humanista, ele denuncia que, ao longo de 39 presidentes, mais de 50 milhões de brasileiros morreram analfabetos. Um número assustador, que aponta o fracasso do sistema educacional e a perversidade de um país que se acostumou a tratar a educação como privilégio e não como direito.
No Brasil de hoje, 135 anos depois da Proclamação, ainda temos 12 milhões de analfabetos. Isso significa que, mesmo em pleno século XXI, um contingente equivalente ao total da população de 1889 continua apartado da leitura, da escrita, do pensamento crítico.
Enquanto isso, apenas 52% dos brasileiros dizem ter lido ao menos um livro nos últimos três meses, de acordo com a última pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.
Chicotada no cérebro
Mas não são apenas os números que impressionam. Cristovam nos provoca a refletir sobre o simbolismo disso tudo. Ele afirma que o analfabetismo é uma forma de tortura, uma chicotada no cérebro.
Segundo o renomado educador, é como estar preso em uma cela invisível vendo o mundo passar por você, impresso em palavras que não se pode decifrar. E Cristovam está certo. O Brasil, que tanto lutou contra a censura, ainda pratica a maior de todas as censuras: a exclusão de milhões do acesso ao conhecimento.
Trata-se de uma realidade com raízes profundas. Desde os tempos da Colônia, a educação foi pensada para poucos. No período republicano, a situação pouco mudou.
Embora tenhamos avançado na alfabetização inicial, a qualidade da educação pública permanece elitista e excludente. A cada ano, milhares de crianças deixam as escolas sem dominar plenamente a leitura e a escrita. E o ciclo se repete: iletrados geram iletrados, enquanto a elite se fortalece em escolas de qualidade.
Não é por acaso que somos um país onde os livros são tão pouco valorizados. Livrarias fecham, bibliotecas são abandonadas, e os preços dos livros tornam-se proibitivos para a maioria.
Em contrapartida, falta um programa efetivo de erradicação do analfabetismo de adultos. Falta também um sistema nacional de educação básica que forme não apenas leitores funcionais, mas leitores de fato, capazes de se emocionar, de pensar e de transformar o mundo.
Por isso, Cristovam Buarque, com sua trajetória de lutas pela educação, merece aplausos. Ele nos lembra que a verdadeira bandeira de um país não está no mastro, mas na escola que ele oferece ao seu povo.
Se continuarmos desfraldando uma bandeira que não pode ser lida por todos, estaremos traindo os ideais republicanos. E isso é algo que nenhum brasileiro consciente pode aceitar.
Então, reflitamos todos sobre a educação que temos e a que queremos. Só assim poderemos, um dia, ser dignos do lema que está gravado em nossa bandeira: Ordem e Progresso.