PublishNews, Talita Facchini, 28/11/2024
PublishNews comparou a pesquisa Retratos da Leitura e o Panorama do Consumo de Livros para analisar o espaço que o livro e a leitura têm perdido no dia a dia das pessoas
A 6ª edição da Pesquisa Retratos da Leitura evidenciou que ainda há diversos desafios a serem contornados nos próximos anos se quisermos reverter a proporção de não-leitores no país que, pela primeira vez, chegou aos 53%. Acessibilidade, investimentos nas escolas e educação fundamental e nos mediadores de leitura, só alguns dos temas a serem levados em conta. O que todos concordam, no entanto, é na urgente necessidade de se mudar a percepção do livro como um todo.
Alguns dados apresentados ao longo das seis edições da Pesquisa evidenciam que o livro vem perdendo o seu apelo aliado ao prazer, lazer e bem-estar. Em 2007, por exemplo, na primeira edição do estudo, 13% dos entrevistados que se consideram leitores disseram sempre ganhar livros como presente, porcentagem que caiu para 8% nas edições seguintes.
Sobre o hábito de ganhar livros, em 2019, 39% declararam ganhar livros como presente, número que caiu para 37% na última edição da pesquisa.
Indo além da “justificativa fácil” relacionada ao preço, vale analisar com profundidade a justificativa da “falta de tempo” para compra e/ou leitura de livro que aparece em 3º no Panorama do Consumo como desmotivação para compra de livros, com 26% das respostas. Além disso, “não ter tempo para leitura” é o primeiro motivo apontado entre os entrevistados para não terem comprado livros. Já na Retratos da Leitura, a falta de tempo aparece em primeiro lugar, com 46% usando como justificativa por não ter lido mais.
Aliado a isso, o uso da internet aparece como principal atividade realizada no tempo livre dos entrevistados, com 78%. Há ainda diversas atividades realizadas na internet que são preferência da população – trocar mensagens no WhatsApp, uso das redes sociais, escutar música, jogar, trabalhar, fazer compras, entre outros – deixando a leitura de livros na 12ª posição, tendo como base a Retratos.
No Panorama, o uso das redes sociais é apontado como principal atividade de lazer, com 50,8% das respostas.
“A IA das redes sociais vem tragando, em poucos anos, jovens e tradicionais habitués da leitura para pontos de atenção com predominância de imagens e símbolos. Foram necessários cinco séculos para tornar a Europa um continente de leitores, e o Brasil, que nunca chegou a sê-lo, agora parece distanciar-se desse perfil. Aliás, é como perfis e não como leitores que nos ajustamos melhor, como consumidores mapeados por algoritmos na Web. Antes que a falta de intimidade com a ironia cause ruído, isso é uma crítica”, escreveu o editor Francis Manzoni, em artigo publicado no PN.
A constante briga por atenção com outras frentes, portanto, também tem influência na diminuição das taxas de leitura. Na Classe A, por exemplo, o desgosto pela leitura subiu de 17% em 2019 para 26% em 2024. O percentual de leitores na Classe A também caiu de 67% para 62%, enquanto na Classe C – que concentra a maior parte da população – a queda foi de 53% para 46% em quatro anos.
“Esta queda na Classe C evidentemente é por falta de acesso, seja por falta de poder de compra ou qualquer outro motivo, mas na Classe A pode indicar uma queda no status social da leitura, provocado principalmente por um período de desvalorização da Ciência e da Cultura, fartamente amplificado pelas redes sociais, o que é demonstrado pelo crescimento desproporcional da ocupação do tempo livre com Internet ou WhatsApp, espaços que sabidamente foram pródigos em disseminar teorias de conspiração e notícias falsas”, analisa Gerson Ramos, diretor comercial da Editora Planeta.
De acordo com Mariana Bueno, economista da Nielsen e especialista no mercado editorial, “do ponto de vista estrutural, a Classe A não tem nenhum tipo de restrição, seja de renda, seja de capacidade leitora, ou qualquer outro fator que impeça esse conjunto de pessoas de ler ou comprar um livro. No entanto, tanto a Retratos quanto a Panorama mostram que boa parte dessa classe social não lê e não consome livros. Para as classes mais baixas podemos falar em restrições estruturais de demanda, são pessoas com renda mais restrita, onde o impacto negativo dos indicadores econômicos e sociais ficam mais evidentes”.
Nessa disputa pela atenção, o livro tem a hiperconectividade como concorrente. Enquanto o tempo médio dedicado às redes sociais continua crescendo, a prática da leitura perde espaço no cotidiano. A análise do comportamento dos leitores também se reflete nos dados de comercialização de livros no varejo, que, embora impulsionados por datas comemorativas, apresentam resultados que não conseguem reverter a tendência de queda geral na leitura.
O Painel do Varejo de Livros no Brasil – estudo realizado pela Nielsen Book e divulgada pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livro (SNEL), que apura as vendas das principais livrarias e supermercados no país – demonstra como eventos como a Semana do Consumidor e a Black Friday trazem um alívio momentâneo para o setor, mas não consolidam um crescimento significativo. Isso reforça a ideia de que o hábito da leitura está mais ligado a estímulos pontuais e não a uma prática contínua e enraizada.
Número de exemplares comercializados (segundo o Painel do Varejo):
- Semana do Consumidor:
2021 – 4,08 milhões
2022 – 4,40 milhões
2023 – 4,63 milhões
2024 – 5,04 milhões - Dia das Mães:
2021 – 4,16 milhões
2022 – 3,97 milhões
2023 – 3,98 milhões
2024 – 3,90 milhões - Black Friday
2020 – 4,35 milhões
2021 – 5,68 milhões
2022 – 5,19 milhões
2023 – 4,7 milhões
Os dados sugerem que, apesar de esforços promocionais e campanhas pontuais, a leitura ainda enfrenta barreiras profundas, tanto culturais quanto estruturais. A crescente falta de tempo relatada por leitores e não leitores revela um desafio que vai além da simples escolha de priorizar ou não os livros: trata-se de uma mudança nos hábitos de lazer e no papel que a leitura ocupa em uma sociedade cada vez mais dominada por estímulos rápidos e interações digitais.
“Os dados de consumo (compra) e uso (leitura) não necessariamente caminham juntos, principalmente quando lidamos com um cenário socioeconômico que limita o acesso de grande parte da população aos livros”, analisa Mariana Brandão, executiva de vendas do Grupo Ediouro. Ela ressalta, no entanto, que a faixa etária de 11 a 13 anos continua sendo a de maior percentual de leitores, graças, em grande parte, ao papel fundamental das escolas e ao estímulo promovido em sala de aula.
“Esse público depende, majoritariamente, de programas públicos de incentivo, acesso a bibliotecas e apoio dos pais para obter livros. Concentrar esforços nessa faixa etária e nas crianças mais novas é essencial. Investimentos em iniciativas públicas e privadas são fundamentais, assim como a criação de livros que sejam interativos, atraentes e relevantes para esse público. Além disso, integrar gamificação à leitura pode ser uma boa estratégia para atrair e fidelizar novos leitores, transformando a experiência no ato de ler”, sugere.
“Outra ação relevante é a disponibilização de livros gratuitos em formatos digitais e audiolivros, que podem alcançar leitores que alegam falta de tempo ou desinteresse pela leitura tradicional. Programas como o da BibliOn, que já promovem acesso democrático a livros, são exemplos de grande valor de como podemos enfrentar esse desafio”, lembra Mariana.
Esse contexto exige – como visto nas análises feitas por especialistas na pesquisa – políticas públicas, iniciativas privadas e um esforço coletivo para ressignificar o livro como uma atividade acessível e desejável em meio à rotina do dia a dia. “Fazer do Brasil um país de leitores requer um esforço conjunto para transformar a percepção do valor da leitura. Essa mudança é cultural e estrutural, e seu ponto de partida deve ser as crianças que frequentam as escolas públicas, onde a necessidade de iniciativas governamentais é mais urgente”.
Alguns destaques da Pesquisa Retratos da Leitura 2024:
- 26% da Classe A disseram não gostar de ler
- 22% da Classe B disseram não gostar de ler
- 46% dos entrevistados considerados leitores declaram não terem lido mais “por falta de tempo”
- Entre os não leitores, a “falta de tempo” é motivo para 33% dos entrevistados não terem lido nos últimos três meses
- 78% dos entrevistados disseram usar a internet no tempo livre
- 71% usa WhatsApp ou Telegram
- 20% declararam ler no tempo livre (em 2019, a porcentagem era de 24%)
- 63% declararam não ter o hábito ganhar livros de presente
- Entre os leitores: 49% disseram nunca terem ganhado livro de presente
- Entre não leitores: 76% disseram nunca terem ganhado livro de presente