Em artigo, Zoara Failla comenta sobre o que veremos na 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil que será lançada dia 19 de novembro
Nossa expectativa em relação aos resultados da sexta edição da Pesquisa Retratos da Leitura era de que ela refletisse, em especial, o impacto das restrições à leitura e ao acesso ao livro que, por conta da pandemia, afastou estudantes das salas de aula e das bibliotecas escolares. Mas sabemos que outros fatores, nesse período de quatro anos, desde a realização da quinta edição, lançada em 2020, impactaram os indicadores de leitura e o comportamento leitor dos brasileiros.
A série histórica da pesquisa, realizada pelo Instituto Pró-Livro (IPL) desde 2007, é reveladora sobre o impacto das políticas públicas dos últimos anos. Esse é o principal e desafiador objetivo da Retratos da Leitura. Essa reflexão, vamos entregar a especialistas nesses estudos, como José Castilho, que vai participar do Painel de debates “Leitura da Retratos da Leitura”, no lançamento da pesquisa no próximo dia 19 de novembro.
Mas a análise dos dados robustos dessa pesquisa, que tem um questionário com mais de 140 questões e é respondido por mais de 5 mil entrevistados de todo o país, possibilita identificar outros fenômenos que, certamente, impactaram o comportamento leitor dos brasileiros nesses quatro anos.
Na quinta edição, encontramos no uso do tempo livre uma das principais explicações para a queda expressiva no percentual de leitores de nível superior e nos segmentos com maior renda (mais de dez salários), onde, desde a edição de 2007, identificamos mais leitores. A pesquisa aplicada em 2019 revelou que 86% daqueles que se declararam leitores nesses segmentos usavam com frequência o WhatsApp (eram 76% em 2015) e 64% as redes sociais (Facebook, Instagram ou Twitter). Sabemos que, mesmo em percentuais menores (68% – WhatsApp), esse interesse absorve o tempo livre em todos os segmentos da pesquisa, a partir dos 14 anos. Já as crianças, em seu tempo livre, informam que estão entretidas com os games (40%) ou vídeos/filmes (71%). Enfim, estão também, em frente às telas. No uso do tempo livre, a preferência pelas redes sociais e telas tem sido muito superior à preferência pela leitura de livros (24%, em 2010)
O interesse pelas telas digitais, que observamos roubar o tempo do livro, é explicado pela “Economia da atenção”, por Michael Tamblyn , em The Book vs. Everything Else (O livro X Todo o resto). Segundo Tamblyn, o livro há muito tempo compete com outras mídias; mas “na era da Economia da Atenção, milhares de empresas, que não tem nada a ver com livros ou com a mídia, descobriram como ganhar muito dinheiro ‘roubando’ nosso tempo. Elas têm uma ideia muito clara de quanto vale o tempo das pessoas, o que gostariam de fazer com ele e, o mais importante, têm uma incrível variedade de ferramentas e táticas para obtê-lo e capturá-lo”. Ele concluiu que “por mais que olhemos para a Amazon como concorrente, também devemos nos concentrar na Netflix, Facebook, Instagram e YouTube” (in post CERLALC).
O Livro não compete somente com outras mídias, mas com “produtores” que buscam capturar o tempo e a atenção das pessoas, fornecendo conteúdos em formatos digitais fragmentados e de consumo acelerado, com estratégias de entretenimento e de manipulação de interesses. O uso desse tempo capturado é diverso e atende a diferentes interesses. Esse é o enorme desafio enfrentado pelo livro enquanto transmissor de cultura e conhecimento.
A Retratos também investiga a importância dos influenciadores. Em todas as edições, as mães e os professores aparecem nos primeiros lugares quando perguntamos quem despertou seu gosto pela leitura, mas os influenciadores digitais começam a ser lembrados, ainda timidamente, a partir da quinta edição, quando analisamos a indicação dos últimos livros lidos e comprados.
Certamente, na edição de 2024, essa indicação deva crescer em algumas faixas etárias, mas não terão o mesmo destaque que identificamos na pesquisa Retratos da Leitura aplicada na Bienal de SP de 2022 (citados em primeiro lugar), dado o perfil diferenciado dos frequentadores dessas feiras. Apesar da pesquisa não ter sido aplicada nas Bienais do Rio (2023) e de SP (2024), o incremento das vendas, das audiências e das filas para ouvir ou para uma selfie com autores indicados por influenciadores digitais, como Booktokers, revelam o poder desses personagens digitais, que muitas vezes são os autores, e que nos levam a perguntar se temos leitores ou seguidores desses autores.
Dada a importância desses novos meios de acesso e de produção de conteúdos e narrativas que surgem no cenário digital, novas questões precisam ser consideradas na análise dos resultados da pesquisa, como: autores que buscaram a autopublicação foram citados? As plataformas digitais que conectam produtores de conteúdo ou de narrativas aos seus leitores/seguidores podem afastar leitores do livro e corromper o ecossistema de produção do livro? Essa questão, muito presente nas mídias especializadas, não foi respondida pela pesquisa, mas esse novo cenário, em especial, o acesso à literatura por outros meios que não o livro, foi investigado nessa edição e traz importantes revelações sobre esses leitores.
Esta edição da pesquisa também procurou investigar uma questão que tem sido muito debatida por especialistas: a evolução das práticas leitoras em um ambiente cada vez mais digital. Para isto, incluiu questões para buscar identificar como as telas digitais e a interatividade estão transformando as experiências de leitura e o quanto essas experiências podem impactar na compreensão, na atenção e na análise do que se lê, tão importantes para a crítica e a construção do conhecimento. A leitura de livros em papel e a leitura de livros digitais impactam na compreensão? Fizemos essa e outras perguntas aos entrevistados. Vamos trazer essas respostas no lançamento.
Sabemos que uma leitura profunda exige atenção e reflexão crítica. Quais as consequências da leitura digital de conteúdos fragmentados, de informações consumidas fora de seus contextos sociais e históricos, da leitura interrompida por mensagens e convites? O que ela pode perder em termos de compreensão e retenção da informação? Na Suécia foram coibidos os livros digitais na escola, após a piora nos resultados de avaliação da aprendizagem. Essa experiência pode nos dizer algo?
Para além das novidades desta edição, as principais questões que gostaríamos de deixar para refletirem, ao buscarmos ampla divulgação, são:
– Por que temos tão poucos leitores?
– Os interesses e hábitos de leitura revelados por essa “radiografia” podem explicar se estamos formando leitores críticos e que compreendem plenamente o que leem, essenciais para nosso desenvolvimento social, humano e nossa democracia?
– Como melhorar esse Retrato, se a proporção da população, com cinco anos ou mais, que afirmou não ler porque tem dificuldades de compreensão leitora, foi, nas duas últimas edições da pesquisa, de quase metade da população representada na amostra; estamos perdendo aqueles que disseram ser leitores, pelos caminhos e atrações digitais?
***Zoara Failla é Socióloga pela UNESP, com mestrado em psicologia social na PUC-SP e pós-graduação pela FGV-SP. Foi consultora do PNUD e coordenou o Programa de Melhorias do Ensino Médio/SEE-SP e consultora nos 5 PALOPS. Desde 2006, responde pelos projetos do Instituto Pró-Livro, tendo coordenado: O Programa Mais Livro e Mais Leitura, em parceria com o MINC; a Plataforma Pró-Livro e as três edições do Prêmio IPL – Retratos da Leitura. Coordenou, também, as quatro últimas edições da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, e, em 2018/2019, a realização da Pesquisa Retratos da Leitura – bibliotecas escolares. Foi organizadora das obras: Retratos da Leitura no Brasil 3 e 4 e autora de vários artigos sobre comportamento leitor do brasileiro.