A professora doutora da Unifesp nos brindou no Retratos da Leitura no Brasil 5, com o artigo “ Leitores que perdemos pelo caminho”. Rita aceitou o convite da organizadora dessa obra, Zoara Failla, para analisar o que revelou a 5ª edição da pesquisa sobre os hábitos de leitura das crianças de 5 a 10 anos . Somente nessa faixa etária não foi identificada redução no percentual de leitores entre 2015 e 2020, e, é entre essa população que encontramos o maior percentual de quem lê por prazer. Rita foi entrevistada pelo Diário do Nordeste para falar sobre as análises que traz em seu artigo. A entrevista ficou tão boa que achamos importante trazer, na íntegra, para esta edição da News. Antes apresentamos uma breve resenha sobre seu artigo:
RESENHA:
Não por acaso, perdemos leitores ao longo do processo de escolarização. Uma das hipóteses para essa perda se deve à transição entre o Ensino Fundamental e o ensino médio, quando mudam, significativamente, as razões por que e o modo como se lê literatura na escola. Ora, se levarmos em conta o que dizem ler os professores, a lista de obras mencionadas não se distingue substancialmente das obras mencionadas pelos demais leitores que responderam à pesquisa, em outras palavras, aquilo que é referido por eles, professores, se aproxima daquilo que é referido, em última análise, por seus alunos-leitores. Não deveríamos esperar por um repertório de obras mais variado e, no tocante à literatura, mais numeroso? Mas, se a série histórica serve como um espelho retrovisor dos diferentes Retratos da Leitura no Brasil nos últimos 12 anos, é pertinente considerar que uma parte dos jovens entrevistados em 2007, ardorosos leitores de 13 anos, sejam, atualmente, jovens professores que emulam práticas de leitura e do ensino da literatura de maneiras muitas vezes naturalizadas e por vezes irrefletidas, em que as razões para fazê-lo são mais uma obrigação curricular, compulsória, do que um exercício de aprendizagem de si, do outro, das possibilidades de fabulação, das diferentes dimensões de alteridade que a literatura literária pode promover, ou seja, uma atividade esvaziada de sentido em sua dimensão mais individual e subjetiva, que se confundiria com as demais disciplinas: tabela periódica, equações de segundo grau, classes gramaticais e os gêneros literários. Mas, afinal, é para isso que “aprendemos” a ler literatura?
Agora, a ENTREVISTA ao Diário do Nordeste (julho/21)
No capítulo destinado ao tema “Leitores que perdemos pelo caminho”, presente no livro “Retratos da Leitura no Brasil 5”, você elenca uma série de pontos sobre os perfis dos leitores de literatura, focando especialmente na relação aluno-leitor e professor-leitor. O que foi mais importante para você nessa seleção de análises acerca da temática?
Rita: – Parece-me importante destacar que entre aqueles que se declaram leitores de literatura, 52% atribuem a seus professores a motivação para ler literatura. Isso aponta para o papel central do professor na mediação entre os alunos e o universo da leitura e suas potencialidades, sobretudo quando, para muitas crianças e jovens, a escola é o único lugar onde há livros acessíveis e leitores que estimulem a leitura. Para isso, entretanto, é necessário que os professores, por sua vez, sejam leitores em seu sentido pleno: que gostem de ler, que eventualmente compartilhem suas impressões sobre o que leem com seus alunos, escutem o que seus alunos-leitores queiram ler, tenham lido, enfim, que se constitua um ambiente em que se propicie situações de leitura não apenas como uma disciplina escolar, mas também como um interesse global pelo mundo da leitura. Os dados da pesquisa no tocante ao que leem os professores não apontam para esse quadro, pois o que eles afirmam ler – dentre aqueles que se declaram leitores – não se distingue de maneira expressiva daquilo que leem os demais entrevistados. Em certa medida, a formação de alunos-leitores depende da formação de professores-leitores em razão desse papel exercido pela escola na sociedade. Os números da 5a edição da pesquisa mostram que entre o conjunto dos professores, 80% são leitores (como explicar que 20% de nosso corpo docente não tenha lido nem um trecho de um livro nos últimos três meses?) e que apenas 43% são leitores de literatura, o que significa, possivelmente, que a maioria dos leitores em formação na escola no Brasil hoje não conta com professores-leitores de literatura, o que reduz significativamente as chances dessas crianças e jovens conviverem em um ambiente de estímulo à leitura e à leitura literária.
Tomando como princípio a questão presente no título do capítulo, quais são os principais motivos, em sua visão, para que se perca leitores no Brasil hoje?
Rita: – As razões são muitas e são abordadas por vários especialistas na obra dedicada à análise dos dados. Da valorização à leitura na formação do professor (e não apenas ao professor de língua portuguesa, acho importante registrar) às políticas públicas de valorização das bibliotecas e espaços destinados à leitura dentro e fora da escola. Passa também, a meu ver, pela maneira como a leitura literária vai se transformando do ensino fundamental, onde se concentra a maioria dos leitores que leem “por gosto” (leitores entre 5 e 10 anos!), esse número vai diminuindo progressivamente à medida que os entrevistados avançam em seu processo de escolarização, quando a literatura passa a ser “ensinada” e talvez falhamos ao perder espaço, em sala de aula, para essa leitura por gosto em benefício do ensino da história literária. A meu ver, deveríamos poder conciliar um hiato entre as razões por que se lê literatura na escola e fora da escola, buscando promover situações de leitura que articulem uma formação para a leitura literária “por gosto” ao ensino formal da literatura.
Qual o papel das políticas públicas e das iniciativas de cunho popular/comunitário para que haja um maior estreitamente entre crianças e jovens e os livros?
Rita: – O papel de ambos é fundamental, não há garantia nenhuma de que todas as crianças e jovens venham a se encantar pelo mundo da leitura porque cresceram em ambientes em que há circulação de livros, onde os adultos são leitores, mas as pesquisas mostram ambientes onde a leitura é valorizada tendem a favorecer o despertar o interesse pela leitura junto às crianças e os jovens.
Em algum momento de seu artigo no livro, você se pergunta “Mas, afinal, é para isso que aprendemos a ler?”, referindo-se ao fato de que a leitura muitas vezes é encarada no ambiente escolar como pura e simplesmente obrigação curricular. Como você observa esse panorama e o que falta para que ele seja superado?
Rita: – A literatura na escola, do ensino fundamental 2 ao ensino médio, principalmente, ainda parece estar vinculada a uma percepção de que seu ensino se restringiria a conhecer uma progressão histórica de escolas literárias e o conhecimento de um corpo bibliográfico de clássicos da literatura brasileira – que todo leitor bem formado deve conhecer. Em razão do volume das obras e do pouco tempo destinado à literatura nas grades disciplinares, os alunos, em sua maioria, acabam por ler trechos dessas obras em que determinado aspecto de uma “escola literária” é colocado em evidência. Talvez ainda sejam ainda muito incipientes as iniciativas didáticas que propiciem situações efetivas de leituras integrais seja do clássicos da literatura, seja de obras que se aproximem mais do universo de interesse dos alunos – no tempo e/ou no espaço, em outras palavras, acredito que um dos caminhos seja falar menos sobre “A Literatura” e dedicarmo-nos, em sala de aula, a falar sobre as leituras literárias efetivas, realizadas, concretas, compartilhando impressões, sentidos, afetos sobre esse processo onde o sujeito leitor possa falar daquilo que leu, construindo um espaço de interlocução sobre a produção de sentidos no ato da leitura, formando leitores literários não porque dominam determinado corpo de leituras obrigatórias, mas sim porque sabem estabelecer relações de sentido que passam por uma dimensão de subjetividade e de diálogo que os preparem para ler, potencialmente, toda e qualquer obra literária.
De que modo você situa a importância da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil e o fato de o livro que compila os dados e análises de sua edição estar presente tanto em versão física e digital? Por que é tão relevante que as pessoas se debrucem sobre esse material?
Rita: – A pesquisa “Retratos da leitura no Brasil” é, sem sombra de dúvida, uma importantíssima fonte de dados que nos permite delinear perfis e hábitos da população com relação às suas práticas de leitura em muitos sentidos: do ponto de vista faixa etária, da escolarização, da classe econômica, dos interesses, dos suportes em que se lê (no papel, na tela), suas motivações, enfim uma miríade de dados exaustivos sobre o conjunto da população brasileira e isso de um ponto de visto diacrônico, analisando cada edição da Retratos do ponto de vista da série histórica, seja do ponto de vista sincrônico, dos retratos dos leitores (e também dos não-leitores) no Brasil atual. Do ponto de vista da obra gerada a partir dos dados da pesquisa, ela oferece um espectro de leituras complementares de diferentes agentes sociais comprometidos com o desenvolvimento dos leitores e das leituras no Brasil. As análises podem subsidiar tantas ações de políticas públicas para o incremento da leitura, bem como nos oferecer pistas de trabalho, do ponto de vista da escola, por exemplo, quanto às práticas pedagógicas relacionadas à leitura.