Em homenagem ao Dia do Bibliotecário, convidamos Adriana Ferrari, vice-presidente da FEBAB – Federação Brasileira de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições, para uma entrevista sobre o importante papel desse profissional
Como você acompanhou o trabalho das bibliotecas na pandemia? Quais foram os impactos e como elas conseguiram se adaptar ao contexto? A pandemia as empurrou para ações mais virtuais? Nelas estavam incluídas as questões dos livros digitais (ofertas de novos títulos)?
A pandemia evidenciou a desigualdade social. A América Latina e Caribe são as regiões mais desiguais do planeta, e o Brasil é um dos mais desiguais. As bibliotecas, assim como todos os outros equipamentos culturais, foram os primeiros a fechar suas portas ao público. A partir disso, muitas bibliotecas começaram a se mobilizar para atender suas comunidades nas necessidades mais básicas, desde a ajuda com o cadastro para acesso ao auxílio emergencial, apoio na coleta e distribuição de cestas básicas, arrecadação de itens de higiene, máscaras e livros que foram distribuídos pelas comunidades. Também houve uma preocupação em levar informação confiável, precisa, ao público que, acessada no tempo certo, pode salvar vidas. Outro movimento foi realizado no sentido de entender os protocolos sanitários, já delineando as medidas que deveriam ser adotadas para a retomada presencial dos serviços, que dessem a segurança de todos. Mas a verdade é que ninguém imaginava que estaríamos tanto tempo (já faz um ano) nesta situação, e sabemos que, infelizmente, teremos um longo caminho até podermos estar com as bibliotecas abertas e funcionando com toda sua capacidade. As bibliotecas começaram a rever seus serviços e utilizar mais intensamente as redes sociais para alcançar suas comunidades. Pudemos observar centenas de lives, encontros de mediação de leitura, clubes de livros, podcasts e outras estratégias para readaptar os serviços, ou ainda, criar novos, impulsionados por esse momento de pandemia. As medidas de isolamento social e distanciamento social fizeram com que a interação por meio das redes sociais fosse muito valorizada e utilizada, talvez isso não teria tanta adesão sem a situação pandêmica. Porém, a questão do oferecimento de acervos digitais ainda está prejudicada em virtude de não haver produtos que disponham de conteúdos significativos para serem adquiridos pelas bibliotecas, e, por outro lado, mesmo que houvesse, não há investimentos para as bibliotecas. A extinção do Ministério da Cultura impulsionou uma ação em cadeia extremamente nefasta para a área cultural, e por conseguinte, para as bibliotecas. Não sendo prioridade para o Governo Federal, também não é para as esferas estaduais e municipais (salvo raríssimas exceções).
De acordo com a última edição da Retratos da Leitura, os brasileiros estão lendo mais livros digitais. Na sua opinião, o que já tem mudado na formação dos bibliotecários para acompanhar essa tendência e o que ainda precisa ser mudado para que eles possam pensar em propostas diferentes de bibliotecas?
É um dado interessante, mas para as bibliotecas e bibliotecários o desafio ainda é contribuir na diminuição dos índices do analfabetismo funcional. Ler é ler! O suporte digital é um grande aliado, mas é preciso ter oferta de conteúdos e estratégias para que as pessoas possam se apropriar disso. Do ponto de vista da educação continuada que a FEBAB promove, temos incentivado uma mudança muito grande na atuação dos bibliotecários, que sejam agentes de transformação na sociedade. E queremos que eles tenham as condições de construir acervos e coleções (físicas ou digitais) que tenham relevância para a comunidade. Então trabalhar o repertório leitor bibliotecário é também um desafio. E se falamos do ambiente digital, precisamos considerar que os públicos que tradicionalmente frequentam as bibliotecas estão em sua maioria excluídos digitalmente. Então temos que garantir o acesso a essas populações, que também passa por um trabalho de advocacy que a FEBAB vem fazendo com um PL para dar acesso gratuito à internet. Em relação aos cursos de formação do bibliotecário, acredito que os currículos estejam preocupados com as novas demandas da sociedade e, assim, inserindo os conteúdos que possibilitem a melhor atuação profissional.
Quais são bons exemplos de trabalhos realizados em bibliotecas que ajudam a comunidade a se apropriar desse espaço? Até que ponto são modelos replicáveis?
As bibliotecas devem trabalhar como parceiras do cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU. Nesta perspectiva, ações e atividades vêm sendo feitas alinhadas à erradicação da pobreza, igualdade racial, igualdade de gênero, diminuição das desigualdades, enfim alinhadas aos 17 ODS. Podemos citar o apoio na elaboração de currículos, a orientação para o cadastro no programa emergencial e programas de renda, a leitura em albergues via WhatsApp, o oferecimento de oficinas de smartphone para idosos, entre outros. Além das bibliotecas, as Associações Profissionais, Grupos e Comissões da FEBAB participaram do Programa de Fomento e levaram alimentos, itens de higiene e leitura para populações em vulnerabilidade, incluindo pessoas privadas de liberdade. Essas ações aconteceram em diversos Estados do país.
O que deve ser feito, em sua opinião, para transformar as bibliotecas em espaços de referência comunitária?
Muitas bibliotecas já são espaços das comunidades, aliás, as bibliotecas são espaços de pessoas, caso contrário não há o menor sentido de existir. Penso que um local com 50.000 livros não é uma biblioteca é apenas um lugar de livros. Mas com poucos livros que fazem sentido para a comunidade e para o propósito você pode ter uma Biblioteca, que terá sempre a capacidade de transformar vidas! As coleções devem estar alinhadas para que a biblioteca possa cumprir com suas funções educativas, políticas, sociais e culturais. Há muitos bons exemplos no Brasil, com bibliotecas de diversas estruturas, com condições mais ou menos favoráveis, e o que faz ela acontecer é o humano, o profissional, e neste local muitos bibliotecários e bibliotecárias vem fazendo a diferença.
E acredito que neste momento de pandemia é ainda mais crucial que os bibliotecários e bibliotecárias empreendam todos os seus esforços para atender as populações em vulnerabilidade. As bibliotecas, mais do que nunca, devem criar uma atmosfera propícia para exercitar a solidariedade e a empatia, tornando-se locais de escuta para poder acolher a comunidade que vive um momento sem precedentes de perdas significativas. Embora os protocolos sanitários, incluindo o distanciamento físico, devam ser cumpridos, podemos estar afetivamente próximos.