Poderiam começar se apresentando e comentando resumidamente as atribuições de vocês durante o período em que estiveram Secretário/a Executivo/a do PNLL?
Castilho – Após ter exercido a função de coordenador executivo do grupo da sociedade civil, que junto com o MinC, organizou o Vivaleitura – Ano Ibero-americano da Leitura em 2015, assumi a Secretaria Executiva do PNLL oficialmente em agosto de 2006, função que exerci até março de 2011. Minha responsabilidade imediata, assumida com os ministros da Cultura e o da Educação, foi o de finalizar a redação do PNLL de maneira democrática e inclusiva, fechando o ciclo de consultas à sociedade civil naquele segundo semestre de 2006. Entregamos o texto finalizado em 19 de dezembro de 2006 e os anos seguintes foram de luta por sua implantação em várias fases: convencimento interno ao governo, ao parlamento e aos setores da sociedade civil que ainda não haviam absorvido a ideia de um plano nacional de leitura; auxiliar na construção de uma estrutura executiva no MinC para o livro, a leitura, a literatura e as bibliotecas na ótica do PNLL; acompanhar, na estrutura criada no MinC, a DLLLB, os programas, editais e ações pró-leitura, assim como no SNBP, no que havia de envolvimento do PNLL; implementar a construção dos Planos Estaduais e Municipais de Livro e Leitura; co-coordenar o Prêmio Vivaleitura; seguir, ininterruptamente, a fomentar os objetivos do PNLL em todo o país e, principalmente, junto à cadeia do livro e da leitura, o que implicou em centenas de participações em eventos no Brasil e no exterior. Ao mesmo tempo, internamente ao governo e junto ao Congresso Nacional, coordenei a redação da lei que viria a ser em 2018, a de número 13.696, da Política Nacional de Leitura e Escrita. Regressei à função de Secretário Executivo do PNLL em maio de 2013, por chamado da Ministra da Cultura e do Ministro da Educação, com o propósito de retomar o Plano e as atividades de leitura no âmbito da cooperação de ambos os ministérios, após um período crítico de gestão entre 2011 e 2013. Objetivo foi parcialmente atingido e interrompido em agosto de 2016, com a derrubada da então Presidente da República eleita, quando requeri minha demissão da função de Secretário Executivo.
Renata – Secretária do Plano Nacional do Livro e Leitura do Brasil – PNLL (2017-2019), com a missão de articular politicamente junto ao Legislativo para que o Projeto de Lei tramitasse com celeridade, representando a sociedade civil na defesa de diretrizes para uma política pública voltada à leitura e ao livro no país, que leva em conta o papel de destaque que essas instâncias assumem no desenvolvimento social e da cidadania, tendo como resultado a consolidação da lei 13.696/2018, que institui a Política Nacional de Leitura e Escrita.
No entendimento da importância da formação de uma grande rede de políticas públicas locais no país, nesses dois anos percorri todo o Brasil, realizando encontros regionais com prefeituras e governos estaduais, além das bibliotecas e sociedade civil, com oficinas práticas de políticas da área do livro e leitura.
Vocês estão fazendo um levantamento dos planos municipais e estaduais de livro, leitura e bibliotecas para a LEQT. O que motivou essa pesquisa e quais as expectativas desse trabalho?
Em reuniões com a coordenação do GT Territórios da LEQT, viu-se a necessidade de darmos sequência à formação de rede, a começar por um mapeamento do país em relação às políticas locais, municipais e estaduais, com o objetivo de entender como estão tratando o tema. A ideia é que, a partir do levantamento, a LEQT possa otimizar as ações de apoio a partir das demandas levantadas e necessidades locais. É importante lembrar que em 2008 e até 2011, houve intensa cooperação da sociedade civil para a criação dos Planos Municipais e Planos Estaduais de Livro e Leitura, principalmente do IPL, parceiro importante do PNLL na construção do portal “Mais livro e mais leitura nos Estados e Municípios”. Com o GT Territórios e a LEQT, e a partir do mapeamento do que hoje existe no país, pode-se retomar essa saudável prática de auxiliar os territórios a materializar seus planos de leitura.
Política pública
Pq é importante ter um Plano de Livro, Leitura, Escrita e Bibliotecas? E uma lei? Bastam essas regulamentações para termos uma política pública de livro e leitura, ou é preciso de mais? Se sim, o quê?
O Plano Nacional do Livro e Leitura é um documento norteador macro para construção de políticas públicas de leitura, com linhas definidas a partir da escuta da sociedade brasileira, contando, inclusive, com a participação ativa dela. Porém, levando-se em consideração o tamanho continental de nosso país, é necessário que estados e municípios construam suas próprias políticas, sempre tendo como base os principais eixos do PNLL, mas trazendo em sua espinha dorsal as características que determinam seus territórios. Todo esse processo está demarcado na lei 13.696/2018, da Política Nacional de Leitura e Escrita – PNLE. Ela condensa a experiência do pacto social realizado pelo PNLL e projeta políticas de Estado para toda a federação brasileira. Neste sentido, podemos afirmar que a formulação de Planos de Leitura são impositivos legais, mas sabemos, que leis são, antes de tudo, resultados de movimentos reais da sociedade. A mútua relação entre marcos legais e ações do poder público e da sociedade para formar leitores é o que dará substância e tornará efetiva a construção do Brasil de leitores que todos almejamos.
Pensando nas eleições municipais que se aproximam, o momento é propício para iniciar (ou fortalecer) a mobilização da Sociedade nessa pauta? Se sim, como fazer isso?
Sim é propício e muito importante. Em períodos eleitorais, a sociedade deve se mobilizar em articulações tanto com candidatos para o executivo quanto para o legislativo, e aqueles que querem um Brasil de leitores devem se mobilizar. É o momento do cidadão eleger aqueles que são parte de seu município e que ele pode cobrar diretamente. Assim são os prefeitos e vereadores da maior parte das cidades brasileiras, que são pequenas ou médias. Há algumas ferramentas democráticas interessantes neste sentido, como assinaturas virtuais, cartas-compromisso, reuniões dos militantes pela leitura nas cidades com os candidatos, promoção de debates, ou ainda, se já existirem movimentos em prol de planos municipais de leitura, que se consiga o compromisso de vereadores ou prefeitos em apoiá-lo.
Como levar essa pauta aos gestores, tanto aos candidatos municipais, quanto aos já em exercício no município?
O mais importante neste momento é que a sociedade civil se organize a partir da pauta da leitura, reunindo as cadeias do livro, como escritores, mercado editorial e livreiro e bibliotecas públicas e comunitárias, além dos leitores interessados no tema. O diálogo entre aqueles que estão na grande cadeia do livro e da leitura é o primeiro passo para levar essa pauta aos gestores dos municípios. Criar essa unidade e, em torno de metas objetivas e inspiradas na PNLE, chegar aos gestores atuais ou pretendentes.
Uma das grandes questões sempre é o orçamento: como garantir (ou pleitear) verba para as ações dos planos de livro e leitura?
A dotação orçamentária em uma lei é sempre envolta em muitas dúvidas e apreensões. Nossa indicação é, desde o início, envolver o legislativo nas discussões, de preferência com representantes da Câmara de Vereadores ou Assembleias Legislativas, pois isso faz com que políticos entendam o processo do início ao fim, os propósitos de se ter um plano de leitura, e o faz entender também o capital político existente neste tipo de iniciativa. Em casos de orçamento, o legislativo e o executivo precisam estar alinhados a favor dos PLLs.
Em dois exemplos que temos no país, Nova Iguaçu/RJ e Juína/MT, no primeiro a sociedade civil pressionou de tal forma que a lei passou com orçamento, mas infelizmente não entrou até hoje nos planejamentos orçamentários do executivo. Já em Juína, em que o poder público abraça a causa, a lei foi aprovada com orçamento e as ações só crescem na cidade.
Em muitas eleições é comum vermos os candidatos incluírem assuntos como esse do livro e leitura em suas propostas, mas não se comprometem com isso durante seus mandatos. Como a sociedade pode agir antes, durante e depois das eleições para que as propostas sejam incluídas na atuação dos eleitos?
A sociedade precisa se organizar em torno da pauta da leitura e com o objetivo concreto de criar um plano municipal de livro e leitura, garantindo políticas públicas duradouras. Nas cidades e estados há um número grande de pessoas que poderiam se envolver, a contar todas as cadeias do livro, criativa, produtiva e mediadora. Sem a pressão permanente da sociedade civil, todas as pautas e agendas políticas acabam caindo no esquecimento, porque a política se movimenta a partir do interesse da sociedade, já que o voto é seu maior capital. Se não há interesse, não há pauta. Isso serve para políticas, leis, pastas, tudo.
Construção de planos, parte prática
Como começar um Plano?
Costumamos dizer que um plano se dá em cinco passos:
“Vamos falar sobre isso?” – É muito importante iniciar o assunto convocando a sociedade leitora, pais, mães, professores, bibliotecários, leitores, editores, poetas etc. A biblioteca local é sempre a melhor anfitriã que uma cidade pode ter e nela, ou em outro local acolhedor da cidade, iniciar um bate papo para que as pessoas entendam o que é isso exatamente, ajuda em muito para o próximo passo, que é a eleição de um GT.
Eleição de um grupo de trabalho – O GT, preferencialmente em parceria com as Secretarias de Educação e de Cultura, participarão, de maneira democrática, na construção do documento-base levando em conta todas as necessidades, prioridades e entendimento local da problemática de construir um município de leitores. O Grupo de Trabalho atua na construção do texto do documento, realiza reuniões para discutir as temáticas do livro, leitura, literatura e bibliotecas, com base em pesquisas e vivências, planeja ações e atividades, como parcerias em eventos das áreas e plenárias. Além desses trabalhos, o GT acompanha o desenvolvimento do projeto até sua consolidação final, como lei aprovada na Câmara de Vereadores ou por decreto do Prefeito Municipal.
Plenárias de escuta da população – O GT, junto com o poder executivo, planejará plenárias regionais, de escuta da população, para ouvir as demandas específicas da região e inserção em um dos quatro eixos do PLL, que são norteados pelo Plano Nacional do Livro e Leitura. Também, a partir das plenárias de escuta, o GT decidirá se haverá necessidade de incluir mais eixos ou objetivos de acordo com as especificidades locais, como,, por exemplo, maior acessibilidade, maior ênfase para a cadeia criativa, entre outros. É muito importante que o GT se reúna periodicamente para a redação do documento e discussões diversas, com metas claras e cronograma estipulado para que esta fase tenha prazos para seu cumprimento.
Fórum final de devolução do texto dos PLLs à sociedade – As inscrições prévias podem ser realizadas pela internet, mediante preenchimento de formulário de inscrição disponível na rede. Além dos representantes participantes nos Encontros Regionais, aqueles que fizerem inscrição individual poderão participar do Fórum, com direito a voz e a voto. Os representantes participantes nas plenárias de escuta estarão automaticamente inscritos para as Sessões Plenárias.
Legislativo – Buscar na Assembleia Legislativa ou na Câmara dos Vereadores parcerias com parlamentares para a produção, com assistência do GT, de um projeto que lei que baseia, orienta e norteia o PLL. Dicas: Estabelecer desde o início parceria com o legislativo, de preferência no próprio grupo de trabalho para facilitar o entendimento ao chegar à Casa do Povo. Fomentar Frentes Parlamentares do Livro e Leitura nas Casas, para discussões, ao longo do trajeto, com os parlamentares. Eventos na cidade de apoio à sanção da lei costumam ser ótimas estratégias.
Qual a dica preciosa para quem está envolvido nesse processo no seu município ou estado ?
Buscar municípios vizinhos ou estados que já tenham concluído o processo, para buscar orientações e informações. Isto é sempre muito importante no processo. No Mato Grosso, por exemplo, criou-se um grupo de whatsapp com os municípios interessados e há trocas constantes para a criação de suas políticas locais. A outra dica é manter a resiliência sempre porque sabemos que esses processos, na absoluta maioria das vezes, é demorado e requer persistência e esforço de todos os envolvidos.