Em sua coluna, Pedro Almeida aproveita o período de inscrições ao Prêmio Jabuti para fazer uma reflexão sobre ‘a importância não de prêmios, mas da Literatura’ Por Pedro Almeida * Com a abertura das inscrições do maior prêmio do livro brasileiro, o Jabuti, nada mais saudável do que recordar a importância não de prêmios, mas da Literatura. Os prêmios são apenas a curadoria de uma amostra, daquilo que vale muito a pena observar e absorver do conjunto da produção editorial do país. Todo mundo entende o conceito de que a atividade de leitura é muito necessária, que ela se relaciona diretamente com a educação das pessoas em todas as áreas, que desenvolve o pensamento crítico etc. Mas há algumas semanas, uma pesquisa encomendada pelo Instituto Pró-Livro avaliou o impacto da presença de bibliotecas escolares na aprendizagem dos alunos da educação básica, e os seus resultados reforçaram a importância dos livros em nossa formação. Cito dois dados: primeiro, a pesquisa atestou que, nas escolas onde há bibliotecas, os alunos alcançam índices de aproveitamento escolar muito superiores em todas as matérias, inclusive em exatas. Segundo, o melhor período para apresentar as bibliotecas aos alunos é o início do ensino fundamental, porque é nesse contato durante a infância que as crianças desenvolvem o interesse e a familiaridade com os livros. Nosso desafio é grande. Todavia, agora, já temos inclusive dados relacionados ao tema. Como o percentual de não leitores no Brasil é enorme, 44% da população, é sobre essa parcela que decidi trazer algumas ideias para debater, porque é onde há oportunidades de integrar pessoas e entender onde erramos enquanto sociedade nas políticas de formação de leitores. Do total de entrevistados pela pesquisa Retratos da Leitura, 67% disseram que ninguém os influenciou a gostar de literatura e 72% dos entrevistados afirmaram que entendem que a leitura traz conhecimento e crescimento pessoal e profissional. Mas, vamos olhar esses números: Primeiro, se dois terços das pessoas dizem que ninguém os influenciou, isso pode indicar que os adultos não são bons influenciadores, ou porque não leem, ou porque o que leem e indicam não interessa aos jovens. Já sabemos que é na infância e na adolescência que se adquire o gosto ou hábito de ler. Esse tópico rende um bom debate de ideias e propostas, desde quais atividades de leitura podem ser trabalhadas em atividades de grupo a quais livros devem ser apresentados às crianças. Segundo, por mais que haja uma mensagem forte em nossa sociedade sobre o alto valor da literatura, isso não cria uma motivação adequada e suficiente para promover uma revolução cultural. As campanhas em prol da leitura precisam orientar-se por esses dados. Falar que ler é ótimo, que melhora a vida, que leva a vencer não é o bastante. Voltarei a esse ponto. Terceiro, se 72% das pessoas enxergam um caráter utilitário associado à literatura, por que há tantos não leitores? Para responder, trago aqui os motivos alegados por 90% dos não leitores: eles acham o ato de ler algo complexo, que ler cansa, preferem outras atividades ou não encontram tempo para a leitura. E o que essas justificativas indicam? Diante de minha experiência como editor, professor e pesquisador do assunto, posso resumir em uma frase: a falta de prazer! A resposta sobre a complexidade da escrita está associada ao tipo de literatura apresentada às crianças e aos jovens ainda na fase de formação; ao baixo nível escolar e, consequentemente, à menor capacidade de compreensão. Falta de tempo é uma alegação genérica, afinal, encontramos tempo para aquilo que nos dá prazer. Mas como levar a ideia de prazer à atividade de leitura? Não será transformando-a em um big brother televisivo ou tentando apresentá-la como letra de pancadão. Construir a ideia de prazer, prazer real, associado aos interesses da infância – não da leitura agrada adultos (pais e professores) –, pode ser um bom caminho. Se as crianças não encontram prazer na leitura é por causa de alguma estratégia errada que nós, os adultos, promovemos. Estamos fazendo algo muito equivocado e há muito tempo! Veja como uma coisa está relacionada à outra. Todos reconhecem o valor da leitura para uma vida melhor, mas isso não é suficiente para que as pessoas consigam tempo e interesse para ler. Quantas vezes um adulto, que tem plena consciência de um erro que comete, mesmo ciente, não deixa de repeti-lo? Pense naquelas pessoas que têm recomendação para evitar bebidas, gordura ou cigarro. A ideia da saúde não é suficiente. Se adultos não conseguem mudar diante de uma mensagem clara do que pode pôr sua vida em risco, por que devemos esperar que crianças passem a ler ao saber que isso será bom para elas daqui a alguns anos? Então precisamos mudar a mensagem. Temos de parar de oferecer aos leitores em formação obras escritas há cem, duzentos anos, pensadas para adultos. Com essas obras, os leitores devem ter contato depois que já tiverem sido fisgados pelo hábito da leitura. Tudo a seu tempo. Vamos apresentar algo divertido, que os farão rir, se emocionar, talvez até montar uma peça ou que possam relacionar a algo da vida real. Fazê-los desvendar um crime antes do capítulo seis, ou descobrir como as pessoas públicas mentem nos pequenos sinais, entendendo um pouco de filosofia ou dos aspectos da linguagem. Enfim, não há um único caminho, só precisamos priorizar o lúdico. Uma ativista da leitura, que mantém um canal de divulgação de literatura jovem no YouTube, me relatou algo muito interessante há cerca de um mês. Sua professora chegou na sala e disse: Classe! Pelo programa, eu teria de apresentar vocês à obra de José de Alencar, mas decidi fazer algo diferente. Vocês vão ler Harry Potter. A garotada adorou. O resultado? Naquele ano, não foi apenas a turma de 12 anos que leu Harry Potter, mas toda a escola. Nos intervalos, horários de recreio, nos grupos virtuais, a leitura contagiou todo mundo. Os índices escolares tiveram um aumento relevante, e a evasão escolar foi reduzida a números mínimos. José de Alencar e outros clássicos foram apresentados aos alunos naquele mesmo ano, depois que eles já haviam se tornado leitores. E o melhor: como muitos daqueles colegas de escola mantiveram contato desde os longínquos anos 2001, segundo ela, toda a turma continua, até hoje, fortemente envolvida com a leitura. Não foi a única experiência de que tive conhecimento nesses 26 anos trabalhando no mercado editorial. Eu acredito na leitura, desde que ela seja oferecida sem preconceitos. E, em um país em que pouco mais da metade de sua população é leitora, discutir o que é literatura boa ou ruim é um desserviço. Há literaturas para todas as inclinações e é importante que seja assim. Senão seria como dizer que valorizamos apenas aquelas literaturas que interessam às pessoas de ciências humanas, pois a ideia de que “apenas o texto mais literário (artístico) é bom” está intrinsecamente ligada às áreas relacionadas à educação, comunicação, letras etc. Ao assumir a curadoria do Prêmio Jabuti, todas essas questões estão no nosso radar. Queremos que o Prêmio destaque os textos que são grandes obras de arte, mas também os que iniciam as crianças e jovens no processo da leitura, seja pela diversão, por curiosidade, seja por questionamentos. Queremos que as discussões propostas nos ensaios inscritos no Prêmio levantem as vozes que trazem, da Academia, temas e trabalhos de extrema relevância e ao alcance dos leitores não acadêmicos. E que as grandes iniciativas para a promoção da leitura sejam exaltadas, de norte a sul do País, porque a leitura pode ser contagiante, e é a habilidade primeira para a construção a cidadania. * Pedro Almeida é jornalista e professor de literatura, com curso de Marketing pela Universidade de Berkeley. Autor de diversos livros, dentre eles alguns ligados aos animais, uma de suas paixões, trabalha no mercado editorial há 20 anos. Foi publisher em editoras como Ediouro, Novo Conceito, LeYa e Lafonte. Atualmente inicia uma nova etapa de sua carreira, lançando a própria editora: Faro Editorial. Fonte: PublishNews