Por Cristovam Buarque No seu discurso ao receber o Nobel de Literatura no dia 7 de outubro de 2010, em Estocolmo, o escritor Mario Vargas Llosa disse que o momento mais importante de sua vida foi quando aprendeu a ler. A partir daí pôde mergulhar nas coisas do mundo, no íntimo do pensamento das pessoas, pôde viajar até o fundo do mar, ao alto das montanhas e ir até à Lua e ao espaço sideral. O mesmo Vargas Llosa diz que seu grande e mais longo amor foi Madame Bovary, uma per- sonagem trágica criada por Gustave Flaubert. Com esta a rmação ele nos provoca para lembrar personagens marcantes dos quais tomamos conhecimento por meio das leituras. A leitura é o mais importante instrumento de liberdade. Um preso com acesso a livros pode ser menos preso do que um homem livre sem acesso à leitura. Somos o que lemos. Edgar Morin tem um pequeno livro com o título Meus lósofos, no qual comenta os autores que zeram sua cabe- ça. Seríamos outra pessoa se ao longo da vida não tivéssemos a opor- tunidade de ler livros que zeram nossa maneira de ver e entender o mundo. O Brasil que levo na minha mente, este objeto ao qual tenho dedicado boa parte da minha vida, seria outro se eu não tivesse lido Celso Furtado; o Universo seria diferente para mim se eu não tivesse lido a vida de Galileu, Einstein e as teorias que eles formularam. Eu seria outra pessoa se não tivesse lido a literatura fantástica e os livros de ficção científica; ensaios com roteiros de viagens; ou se não tivesse tido a chance de ler e sentir o que escrevem os poetas. Minha cidade – Recife – é outra depois que lemos poemas de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto sobre ela. Ao ler Dom Quixote, nós mudamos, passamos a respeitar os he- róis-loucos e os ingênuos-sábios; perdemos o medo de defender ideias e propostas exóticas que incomodam. Ficamos mais corajosos ao ler Moby Dick. A consciência das injustiças pode surgir da observação da pobreza ou da maldade ao redor de onde crescemos; mas ela só se consolida ao lermos ensaios e cções. O ser nordestino ajuda a perceber e ad- quirir a consciência contra a fome e a desigualdade, mas é ao ler Jorge Amado, Graciliano Ramos ou Josué de Castro que nossa consciência se consolida. A indignação com a realidade perversa pode chegar pela pele, pelo odor, pelos olhos, mas não se a rma plenamente sem a leitura de obras que denunciem a perversidade. Conheci um menino que se chocou ao descobrir que o jardineiro de sua casa não sabia ler; mas a indignação com a sociedade que fabrica o analfabetismo só viria anos depois, quando leu um livro sobre como é um dia na vida de um adulto analfabeto. Mas a leitura não é apenas para ensinar, é também pelo prazer que se obtém ao ler bons livros, sobre temas que despertam nosso deslumbre. Quem não lê pode deslumbrar-se com as amizades, as festas, a convivência familiar, mas se deslumbraria muito mais se pudesse ler: literatura, história, biogra as, poesia. Por isto, para mim, o céu é uma imensa biblioteca onde estão todos os livros já escritos no passado e aqueles que ainda serão escritos no futuro: caminhando entre estantes, anjos-bibliotecários.