O jornalista, escritor, fundador do jornal Rascunho e diretor da Biblioteca pública do Paraná fala sobre as dificuldades de manutenção de um jornal sobre literatura produzido em Curitiba há mais de 17 anos e sobre as oportunidades que se abrem com as redes sociais Como você definiria o jornalismo literário hoje e como o Rascunho se transformou nos últimos anos para se manter no mercado? O jornalismo literário, ele não é alvo de interesse para quase ninguém. Há um espaço muito reduzido para a discussão da literatura no Brasil, uma diminuição gigantesca dos cadernos de cultura nos jornais impressos. Pensando do ponto de vista do País, em relação aos jornais de literatura; uma coisa é o mercado editorial e outra é a literatura, a chamada alta literatura. Na minha opinião, o mercado não está disposto a discutir literatura, quer vender livro, não há interesse em discussão literária. Então, em via de regra, nem as próprias editoras anunciam no Rascunho. Nós contamos em média com a colaboração de 50 pessoas por edição e apesar de nenhuma delas ser remunerada temos os custos de impressão e manutenção mínima de nosso site, de nossas redes sociais, logística etc. Não vendemos o Rascunho em nenhum ponto físico, é possível apenas assiná-lo pela internet, a um valor de 50 reais o semestre. Nosso site é muito mais acessado, se comparado ao nosso número de assinantes. Temos também muitos seguidores nas redes sociais, por isso, vamos tentar uma estratégia nova: a do financiamento. Nos próximos dias lançaremos uma campanha de arrecadação no Catarse. E qual é o objetivo do financiamento? Queremos arrecadar 80 mil reais para estruturar um departamento comercial e de assinaturas para tentar garantir uma estabilidade no Rascunho. As novas mídias contribuem para a formação de leitores de literatura? De que forma? Na minha opinião, quem forma leitor é a escola. Claro que a formação leitora é uma das coisas mais incertas que existem, mas se a criança recebe estímulos em casa estuda em uma instituição com uma biblioteca bacana, na qual a leitura faz parte da rotina, é provável que ela seja um adulto que lê. O que as redes fazem é facilitar a vida das pessoas que desejam ter contato com a literatura, acompanhar seus autores preferidos etc. Acredito que as mídias sociais são ótimas para a divulgação dos suplementos literários, mas não para a discussão de literatura. O próprio Rascunho possui mais de 20 mil fãs no Facebook e 13 mil seguidores no Instagram e uma tiragem de 5 mil exemplares porque não consegue aumentar seu número de assinantes, mesmo cobrando 50 reais por um semestre. Em via de regra, nas redes, os materiais produzidos e o espaço disponível (um post de Facebook, um vídeo de Youtube) são muito superficiais. Os Booktubers, por exemplo, são divulgadores dos livros. O espaço para a literatura, podemos ser otimistas dizendo que é um grande espaço, mas para a discussão literária não. A discussão sobre literatura vira de gueto, infelizmente. Quais outros veículos você considera que desenvolvem um trabalho consistente de crítica literária e valorização da leitura? Eu leio com gosto a Piauí, que é uma revista para quem gosta de ler, mas não propriamente de crítica literária. Gosto do Suplemento Pernambuco, acho a 451 uma revista bem feita, a Serrote publica ensaios interessantes, a revista Pessoa e a Cult. O Rascunho foi finalista do Prêmio IPL em 2016. Qual é a importância de Prêmios que valorizam projetos de mídia que tratam do universo literário e da formação de leitores literários? O Prêmio em si não melhora nosso trabalho, não melhora os livros, mas nos dá visibilidade, nos traz à luz. Um livro premiado, por exemplo, ganha novos leitores, tem a chancela de uma comissão julgadora. O mesmo vale para projetos de mídias que tratem de literatura, se esse jornal ganhou o Prêmio, você, leitor literário, precisa lê-lo. Reconhecer a importância de projetos que ousam se manter em cenários desfavoráveis como o nosso é fundamental. Premiar projetos de leitura é uma das formas de incentivar a continuidade deles. Quais seriam outras? Criar condições para o desenvolvimento dos projetos, buscar investimentos. Sempre vamos precisar de estrutura, encontrar formas de aumentar o engajamento das pessoas. Nem sempre o imperativo é o dinheiro, mas sim se tornar conhecido e trazer as pessoas para perto das iniciativas.