O Jovem não gosta de ler ou não foi seduzido para a leitura?

O IPL promoveu ,na 23ª Bienal do LIvro de SP,  o debate:

O jovem não gosta de ler ou não foi “seduzido” para a leitura da literatura?

Milhares de jovens, na 23ª Bienal Internacional do livro de São Paulo, disputavam uma senha para ouvir Cassandra Clare. Não, ela não é nenhuma cantora pop. Ela é autora de Os Instrumentos Mortais e, sim, os jovens estavam lá para manter um contato com quem fala a linguagem deles e desperta fantasias e imaginação. A pergunta é: Cassandra Clare, John Green, Sally Gardner, a brasileira Talita Rebouças, entre outros autores da literatura juvenil, vão na contramão do que aponta a 3ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, promovida pelo Instituto Pró-Livro e executada pelo Ibope Inteligência? Essa foi a provocação apresentada por Zoara Failla, mediadora do painel O jovem não gosta de ler ou não foi “seduzido” para a leitura da literatura?

Para ela, que foi coordenadora da pesquisa e organizadora do livro Retratos da Leitura no Brasil III, a resposta é sim e não. Segundo esse estudo, 80% dos jovens na faixa de 11 a 17 anos (24,3 milhões) leem para cumprir tarefas escolares. A grande maioria, 13 milhões, afirma que ler é um tédio e que o fazem por obrigação, enquanto 6,5 milhões não leram nenhum livro em um período de três meses. Mas como explicar o fenômeno na bienal? Apesar desses números, segundo a pesquisa, 4,8 milhões de adolescentes leem literatura porque gostam. Certamente, é esse público que foi muito bem representado na bienal e que consumiu 800 mil exemplares da autora no Brasil.

Outros sinais confirmavam o fenômeno no evento. Estandes de editoras repletas de jovens, os selfies com seu livro preferido e as postagens na rede.

O painel proposto pelo Instituto Pró-Livro, a convite da Abrelivros, no dia 29/8 para a Bienal, foi o palco perfeito para esta discussão. O debate, mediado por Zoara, teve a participação do profº Dr. João Ceccantini, da UNESP; de Claudia Aratangy, diretora de Projetos Especiais da FDE/SEE-SP; Rita Carmona Leite, do Instituto Ayrton Senna; Maria Salles, diretora do CRE Mario Covas da SEE-SP; e de Cirlene Fernandes, da SEEDUC/RJ.

A mediadora abriu o painel propondo uma reflexão sobre os diferentes “retratos” do interesse dos jovens pela literatura, lembrando que a fila de jovens para contatar Cassadra Clare não é um fenômeno isolado. O sucesso em vendas e “seguidores” tem levado autores do segmento juvenil a declarar que nunca os jovens brasileiros leram tanto. Zoara provocou: “se esses jovens – que compõem os quase 5 milhões que gostam de  literatura – gostam de ler,  por que os outros 19 milhões, segundo a Retratos, leem somente por obrigação? Como conquistar esses jovens para a literatura? Essa literatura de entretenimento é capaz de formar leitores para após a ‘onda’? O que está sendo desenvolvido nas escolas para ‘seduzir’ os jovens para a literatura? Esses autores lhes são oferecidos nas Salas de Leitura das escolas?”

O profº Ceccantini, da UNESP, responde à provocação e aponta para o paradoxo de que nunca se leu tanto quanto no século XXI, mas também, sob outros ângulos de análise, o de que nunca se leu tão pouco quando neste século que se inicia. Segundo Ceccantini, até o fenômeno Harry Potter o mercado achava que jovem não iria ler textos com centenas de páginas. Harry Potter, O Senhor dos Anéis e A Saga Crepúsculo quebraram esse paradigma. Infelizmente “não aproveitaram” esse interesse para a conquista de leitores. A discussão sobre o papel da literatura “pop” na formação de leitores divide a opinião de especialistas. A maioria entende que somente a “literatura de fato” ou as obras canônicas têm o poder de despertar o interesse genuíno pela literatura. Destaca também a diferença entre gêneros: as garotas leem mais essa literatura da onda, enquanto os garotos sofrem preconceito. Ele reconhece que a escola consegue desenvolver práticas leitoras envolvendo as crianças, mas “não sabe o que fazer com os jovens”.

A respeito das filas na bienal, comentou que não é difícil entender quando milhares de pessoas se reúnem por um mesmo propósito: ver sua autora preferida e depois comentar nas mídias sociais. “É como se fosse um orgasmo múltiplo”, diz Ceccantini. Sobre como conquistar leitores, ele responde que é preciso perceber o jovem e seus interesses de socialização, de pertencimento a “tribos”. A mediação deve promover a interação e o protagonismo desses jovens. “Fala-se muito do que dá errado, do que falta fazer”, acrescenta ele. “Mas analisar o que dá certo, nada”.  Deve-se valorizar quem se destaca.

Maria Salles intervém para reiterar a tese de Ceccantini, baseada em cases das Salas de Leitura (SEE-SP), e diz que ao promover o jovem como protagonista de sua própria leitura ele se tornou popular na comunidade escolar.

Ceccantini encerra sua fala projetando e analisando obras do segmento juvenil, como: Lua de Larvas; Luka e o Fogo; O Livro Selvagem, entre várias outras. Mobilizou o público presente ao falar sobre a qualidade de muitas delas e o prazer que despertaram quando as leu. Com isso, deixou também uma provocação àqueles que criticam e negam o poder que essa literatura, se bem trabalhada por um mediador, pode ter na conquista de leitores.

Claudia Aratangy apresentou projetos da FDE/SEE-SP voltados à formação de leitores, destacando a importância de a escola promover uma escolha assistida. Comentou que está propondo uma consulta aos jovens sobre o que gostariam de ler.  Ela projetou uma frase e instigou os presentes a descobrirem quando foi escrita: “Essa juventude está estragada até o fundo do coração. Os jovens são malfeitores e preguiçosos. Eles jamais serão como a juventude de antigamente. A juventude de hoje não será capaz de manter a nossa cultura.” A frase escrita há 4 mil anos parecia um discurso atual. Como o painel acontecia em espaço envidraçado, alguns estudantes leram a projeção e manifestaram, com mímicas, descontentamento, sinalizando que isso não se aplicava a eles. Assim, mostrou que a descrença em relação aos jovens e a sua capacidade de escolha vem há milhares de anos; e concluiu: é preciso viabilizar os espaços de escolha!

Claudia, para defender a importância da mediação, trouxe o depoimento de jovem que atua em projeto que coordena para mostrar que é possível despertar mediadores de leitura em “quem nem gostava de ler”. Depois de estimulados, conseguiram multiplicar o modelo com os alunos.

Maria Salles, da SEE-SP, e Cirlene Fernandes, da SEEDUC/RJ, apresentaram suas experiências em parceria com o Instituto Ayrton Senna, nas Salas de Leitura e na formação de agentes de leitura.

Salles é entusiasta do protagonismo do jovem na leitura. Da decoração das salas de leitura à organização e participação em atividades, como feiras de trocas de livros, composição de acervos e muito mais. “Quando a novela ’Cordel Encantado’ estava em cartaz, a maioria das escolas aproveitou para estudar e chamar mais atenção para a literatura de Cordel”, falou animada. “Estar atento ao que está acontecendo, como filmes no cinema, novelas, entre outras atualidades, e envolver a família, pode ajudar muito no processo de incentivo à leitura e na formação de leitores”. Salas de leitura, circuito do livro e, especialmente, a compra de livros pelos alunos nas feiras de livro que promovem, também estão entre as experiências exitosas do Rio de Janeiro, segundo Cirlene.

Para falar sobre a parceria, Rita Carmona Leite, do Instituto Ayrton Senna, apresentou a metodologia (proposta pedagógica) que orientou o projeto voltado à formação de agentes de leitura para as Salas de Leitura em escolas públicas e trouxe os primeiros resultados de pesquisa que têm por objetivo desenhar o perfil de alunos e professores que participam das ações desenhadas em parceria.

Sobre a metodologia, destacou que a formação dos agentes de leitura, que acontece presencialmente no Rio e a distância (EAD) em São Paulo, orientou-se pelo encantamento; compartilhamento; multiletramento e pela aprendizagem colaborativa; confirmando a proposta de Ceccantini. Destacou que a adesão dos alunos é voluntária e que está havendo um resgate da autoestima e do papel do professor/mediador nas Salas de Leitura.

Sobre a pesquisa, seguiu a metodologia e o questionário da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cedidos pelo IPL, para viabilizar a análise e comparação entre esses resultados. Apesar de ter sido voluntária, houve adesão expressiva: 6.500 jovens e professores, de 1.400 salas de leitura entre São Paulo e Rio de Janeiro, responderam à pesquisa (on-line). O IPL propôs continuidade da parceria para análise dos resultados e comparação com dados do Brasil.

Segundo Rita, esse levantamento possibilitou uma primeira leitura sobre o perfil e hábitos de leitura dos alunos das últimas séries do Ensino Fundamental e Ensino Médio do Rio e São Paulo, que participaram do projeto.

Em São Paulo, 87% dos alunos afirmaram serem leitores e que leram ao menos um livro nos últimos três meses, já no Rio, 85% fazem essa afirmação. Esses números já são bem superiores aos da 3ª edição da Retratos (onde 50% são leitores), conforme observou Zoara.

Outros números também apontam para a importância do projeto. As Salas de Leitura são citadas como a principal forma de acesso aos livros, em São Paulo, por 74% dos alunos, e, no Rio, por 69%. Entre outros resultados, destacou quem mais influenciou o aluno a ler: o professor foi citado por 30% dos alunos em São Paulo e, por 19%, no Rio, demonstrando que o projeto já está mais consolidado em São Paulo.

Após ouvir o depoimento da professora Tereza que se encontrava entre os presentes, sobre suas praticas  exitosas de  leitura e, a intervenção de Isis V. Gomes,    da FNLIJ, sobre a “encomenda” de obras como “Jogos Vorazes”, , Zoara, para concluir,  reproduziu um depoimento de Ana Maria Machado: ela diz que nunca encontrou um jovem que não gostasse de ler:

“…Encontrei muitos que achavam que não gostavam. Mas depois descobriam que não gostavam daquele tipo de leitura que lhes estava sendo imposta. É preciso poder escolher. E ter variedade para escolher. Depois de rejeitado o primeiro livro, o segundo, quantos forem necessários, virá um que traga uma descoberta. Por isso, costumo dizer que ler é como namorar. Quem acha que não gosta é porque está com um parceiro que não lhe dá prazer. Trate de trocar.” (Retratos da leitura no Brasil 3 , Capítulo 1 – Sangue nas veias – p. 60. Ana Maria Machado).

E, acrescentou, reproduzindo sua conclusão no artigo para a 17ª Revista do Observatório do Itaú Cultural:

“Nossos jovens estão sofrendo uma exclusão perversa… Eles não sabem se gostam de ler porque não lhes foi oferecido esse cardápio. É preciso garantir, por meio de políticas públicas, a todos, o direito ao acesso a livros de literatura de qualquer segmento, incluindo o juvenil, para que possam escolher. É preciso garantir, especialmente, o direito de compreender aquilo que leem. Para os quase 20 milhões que ainda não descobriram se gostam de ler, é preciso que lhes seja garantido o direito de experimentar. Que lhes sejam oferecidos espaços, encontros e práticas leitoras cativantes e mediadas. Que encontrem professores e bibliotecários, valorizados, capacitados e que gostem de ler literatura e de conquistar leitores, para que esses jovens brasileiros exerçam seu direito de serem despertados pelo prazer de ler.”